terça-feira, agosto 18, 2009

Ana

Ana era sonhadora desde que nasceu, mas odiava admitir esse fato. Quando estava sozinha começava a imaginar como gostaria que sua vida tivesse sido e que viria a ser. Desde pequena não dava muita importância em ter que cuidar da sua vó doente ou de ter que fazer a lição de casa antes de comer a sobremesa. Porque quando fazia essas coisas, estava pensando no que ela mais gostava: no dia do seu casamento. Quando aprendeu a cozinhar foi pior: fazia bolos deliciosos para o seu marido imaginário. Na véspera do seu aniversário de quinze anos sonhou que dançava valsa com o seu marido.


Depois, quando passou em medicina no vestibular, desejou poder abraçar e comemorar com “ele”. Na faculdade, nos seus raros momentos completamente sozinha, chegava a pensar que estava ficando louca e que era um absurdo ter 24 anos e ainda ter um “amiguinho imaginário”. Porque era isso que ele era: um amigo imaginário. Ele tinha mudado de cara muitas vezes: durante alguns anos ele era parecido com um rapaz da sala dela, só que mais alto; depois, ficou com a cara de um ator famoso; depois de um homem por quem ela foi apaixonada durante toda a faculdade. Depois de um tempo, ele deixou de ter um rosto, era um ser disforme, era um “marido-idéia”.


Não que ela nunca tivesse se apaixonado por alguém de carne e osso. Já namorara muitas vezes, e nessas épocas “ele” ganhava o rosto do namorado. Como era ingênua, acreditava que havia encontrado o cara certo, já que “Ele” tinha um rosto agora. Quando o namoro acabava, Ana chorava, chorava até um dia “ele” ressurgir, diferente; se o ex era loiro, “ele” era moreno, e vice-versa. Não importava, ele era diferente sempre. Aos poucos “ele” ia consolando Ana, lhe dizendo para esquecer aquele rapaz que a estava fazendo sofrer, que “ele” era apaixonado por ela de verdade; que apenas “ele” poderia fazê-la feliz. E logo Ana esquecia tudo e voltava para o seu mundo de fantasias.


No trabalho, enquanto medicava um paciente ficava no mundo das nuvens, sonhando com o momento em que ele aparecia de médico, claro, e diria que era novo ali, que precisava de uma ajuda porque não conhecia bem o hospital, não conhecia totalmente a ala da oncologia (ele sempre era oncologista) e ela lhe sorria e dizia que ele estava na ala errada, ela era chefe do departamento de geriatria, mas que depois do paciente ela o levaria para a ala correta. Ele perguntava se ela gostaria de almoçar com ele e namorariam. Apenas quando o seu estômago roncava, ela percebia que ele não havia aparecido – já que não existia – e ela teria que almoçar sozinha novamente.


Mas a vida não é como nós esperamos. Ela passou anos sozinha, saindo com amigos, e conhecendo caras que não eram nada do que ela esperava. Um dia, Ana se apaixonou. Não por um oncologista, mas por um pediatra. Noivaram, casaram e em três anos ela teve sua filha. Porém, em uma noite comum, quando já tinha posto sua filha para dormir, passou seus cremes, pôs um pijama e se deitou ao lado do seu marido, sentiu outra presença no quarto. “Ele” aparecia sem rosto, apenas um sorriso e se sentou ao lado dela.


Ela nada disse. Tampouco conseguiu dormir. Uma semana depois, pediu o divórcio. O marido nada entendeu. Ela se sentia péssima, não suportava mais essa situação. Estava traindo o marido com ela mesma. Se separaram e ela continuou sonhando com “ele”. Morreu velhinha, sozinha e feliz. Tinha encontrado sua alma gêmea: ela mesma.

2 comentários:

Satie-chan disse...

Olá, Deh!

Muito muito tempo depois... Apareço no seu fantático blog. ^^

O que posso dizer... Li alguns posts anteriorese, claro, os mais novos. E... Por que raios estou comentando nest post, se já faz algum tempo que você o escreveu?
Porque eu me identifiquei com ele. Não só porque eu vou ser médica. Mas pelo caratér de sua personagem... Ela é uma sonhadora. =)

Deh, você escreveu como se soubesse o que eu queria ler. E isso não é fácil, advinhar o que seu leitor quer. É tão fantástico!
E, eu sei, este é seu mundo. Mas é algo que eu admiro muito. ^^

Beijos e saudades!
Satie

Deborah Cabral disse...

Obrigada, Satie!

Na verdade, só o reli agora pq eu a inspirei a fazer um texto tbm... Ai voltei nele para ver o q a atraiu ^^

É muito bom, aliás, é maravilhoso saber q meus contos podem sim tocar as pessoas.

Essa é a beleza das palavras...

Beijos