sexta-feira, setembro 13, 2013

Sobre cantadas na rua

O Think Olga fez uma pesquisa rápida sobre cantada nas ruas e o resultado me surpreendeu. A quantidade de mulheres que tinham histórias violentas sobre desconhecidos mexendo com elas na rua é muito alta.
*Comentário do macho que quer se justificar: "Talvez a maioria que sofreu esse abuso tenha participado da pesquisa e as milhares de mulheres que andam de micro short sem serem incomodadas não participaram. Logo, os números altos seriam facilmente justificados. É só uma simples questão de estatística.

Mas eu, como mulher brasileira que não tem carro e faço a maioria dos percursos à pé, concordo com essa pesquisa. E mais: as minhas amigas que compartilharam ou comentaram sobre essa pesquisa no facebook tinham histórias parecidas. A cantada na rua, de fato, incomoda.


É interessante ver como os homens parecem invadidos, né? Indignados, bravos, xiliquentos, né? Homem não sabe receber um elogio que já faz drama.

Eu não uso shorts curtos para ir ao mercado em um dia quente. Jamais combinei saia com salto e meus vestidos são na altura do joelho. Minhas regatas tem decote sim, mas sempre uso uma blusa ou camiseta xadrez por cima.

Talvez esse medo de me "expor" na rua (um homem sem camisa nunca se expõe, mas mulheres aparentemente são peças de museu que podem ser expostas para pública apreciação) tenha vindo de um dia na volta do colegial pra casa. Eu tinha 14 anos na época e estava subindo uma rua. Atrás de mim, dois homens começaram a mexer comigo. Me chamaram de linda, princesa, gatinha e dali pra baixo foi rápido. Eram duas da tarde, e eu pensei que se fosse mais rápido eles me deixariam em paz. Mas acho que a visão da minha bunda se movimentando mais rápido os animou. O que eles falavam que iriam fazer comigo pra mim soava como um estupro coletivo. "quero enfiar nessa sua bunda aqui, agora" o outro dizia "depois vou meter tanto nessa sua buce** que você nem vai conseguir andar" .

Essas coisas ditas para uma menina de 14 anos. Eu chorava e tinha medo de correr e eles irem atrás de mim. A rua estava vazia e tudo que eu queria era sumir dali. Doze anos depois lembrar disso me faz segurar lágrimas de medo. Me arrepia.

Homens não são animais no cio com incontroláveis necessidades de cópula. Vivemos em sociedade há milênios e essa história de "é a natureza do homem" é uma desculpa. Homens não são gorilas recém domesticados para servir jantar fino em buffet. Mexer com mulher na rua não é natural, é cultural.

Não culpem os programas de TV. Eles influenciam e corroboram com objetivação da mulher, sim. Mas não são os principais culpados. Vocês podem achar as mulheres na rua bonitas e gostosas. Podem imaginá-las de enfermeiras amarradas na sua cama com polvos estupradores em volta. Mas não há a menor necessidade de contar isso pra ela.

Também teve outra vez que um motoqueiro achou que eu era uma prostituta no ponto de ônibus às onze da noite e quando percebeu que eu não era, disse "nem queria mesmo, você é feia".

Ou um outro motoqueiro que me seguiu por quase uma avenida inteira perguntando se eu tinha certeza que não fazia programas. Eu estava de rasteirinha e saia longa indiana. Eu dizia que não, ele entrava na primeira esquina que via, fazia um retorno pra avenida e voltava a falar comigo, dizendo que ia ser rapidinho e que eu iria gostar.

Ou a vez em que eu estava voltando às seis da manhã da casa de um amigo e percebi que os passos atrás de mim estavam mais rápidos e mais perto. Tomei coragem e olhei pra trás. O cara estava com o pau em uma mão e a outra numa nítida posição que iria me puxar pelo pescoço.

Também tem os caras que roçam "sem querer" em você no metrô, mas ao invés de um "desculpa" vemos um sorrisinho. Já sentei ao lado de um cara de uns 40 anos que estava se roçando na minha perna num claro movimento de vai e vem que ficou mais rápido durante um tempo e depois parou com um suspiro de satisfação.

Essas são algumas histórias que eu me lembrei enquanto escrevia esse texto. Tenho certeza que não sou a única, faço parte da incrível maioria de mulheres que são vítimas desse tipo de violência tratada como "elogio de um homem à uma mulher bonita".

Eu, que não uso decotes, saias ou vestidos curtos e justos. Não digam que eu estava procurando e querendo um desconhecido me agarrando pela nuca com o pinto na mão porque garanto que isso entra na categoria "pesadelo" e não "fetiche".

"Aaaaaah, mas quando você passa num prédio em construção você fica triste se não ouve um fiu-fiu". 

Querem saber a verdade?

Eu me sinto aliviada. O único "fiu-fiu" que eu lembro de ter gostado foi na saída do cabeleireiro. Estava preocupada se eu tinha acertado na cor e no corte quando um senhor passou por mim e disse: "você está muito elegante!" eu sorri.

Cantadas na rua não são, de forma alguma, bem-vindas. "Ah, mas na balada é diferente". Mas... você jura? Não me diga!!! Ouvir um "linda" num lugar fechado, estando com pessoas conhecidas por perto e num lugar onde xaveco e paquera rola solto é uma coisa. Não poder ir para a balada de vestido com medo de quem vai passar a mão em mim no trajeto é que é o problema.

Olhem para o Carlinhos do vídeo acima e se perguntem: Quantas vezes você já foi esse cara para alguém?
Mas veja bem. Todas as minhas roupas, maquiagem, cabelo e tudo o mais são para me sentir bem para aqueles que eu conheço. Não vejo o mesmo assédio em homens musculosos sem camisa andando pela rua. Não vejo nenhuma mulher talking dirty, passando a mão, falando no ouvidinho... Pode parecer engraçado na sua cabeça, mas pense em ser assediado por um desconhecido maior que você e com muito mais força física que você.

Se eu pudesse viver num mundo onde nenhum desconhecido nem esperasse eu passar pra olhar minha bunda eu seria uma pessoa muito mais livre. E talvez até usasse shorts sem meia calça e tênis. Quem sabe um vestido curto? Ou uma saia acima do joelho? Será que eu poderia sair sem jaqueta em pleno verão para não passar calor?

Essas dúvidas não são só minhas. Mas de todas as mulheres. E essa pesquisa é só uma forma de fazer vocês homens entenderem o quão invasivos, malas, nojentos e assustadores vocês podem parecer com um "inofensivo" "Bom dia, sua linda"

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