Quando eu era pequena,
uma vez perguntei a minha mãe porque eu não enxergava de longe. Ela
me respondeu que era normal, que a partir de uma distância a gente
não enxerga mesmo. No carro, à noite, eu dizia que enxergava as
luzes dos carros e as luzes do aeroporto da cidade como grandes
bolas. Eu acho que meus pais achavam que eu estava inventando. Aos
nove anos, a “nerdinha” da sala foi recolocada no fundão, para
acalmar os ânimos do pessoal (imagine o quanto eu gostei de ser
popular e ficar no fundo, sem assunto, servindo como um “cala a
boca, galera”). Eu aprendi a ler aos 6 anos, no Jardim III com as
revistinhas da Turma da Mônica. Fui oradora da turma de formatura
porque eu já sabia ler e todo mundo ficou orgulhoso de mim. Então,
aos nove anos, no fundão, a professora me pede para ler na lousa.
Minha resposta infantil foi: “Eu não sei ler, fessora”. Ela
recomendou à minha mãe que me levasse no oftalmo.
Fiz os exames e comecei a usar óculos. Mas não se engane, achando que eu usava míseros 0,25 em cada lado. Meu primeiro par de óculos tinha um grau um tanto assustador: 2,75. Lembro que minha mãe perguntou porque eu nunca disse que não enxergava de longe. Mas é que quando ela disse que a partir de uma certa distância a gente não enxergava direito, eu achei que tava tudo certo. Só que a minha distância só era bem menor do que o normal. Meu primeiro óculos era da Turma da Mônica, formato gatinho, roxo em cima, rosa em baixo. Adorava aquele óculos! Mas com ele, vieram algumas limitações. Tive que deixar o time de handebol, não pude mais jogar volei com todo mundo, e até as aulas de judô ficaram mais limitadas.
Fiz os exames e comecei a usar óculos. Mas não se engane, achando que eu usava míseros 0,25 em cada lado. Meu primeiro par de óculos tinha um grau um tanto assustador: 2,75. Lembro que minha mãe perguntou porque eu nunca disse que não enxergava de longe. Mas é que quando ela disse que a partir de uma certa distância a gente não enxergava direito, eu achei que tava tudo certo. Só que a minha distância só era bem menor do que o normal. Meu primeiro óculos era da Turma da Mônica, formato gatinho, roxo em cima, rosa em baixo. Adorava aquele óculos! Mas com ele, vieram algumas limitações. Tive que deixar o time de handebol, não pude mais jogar volei com todo mundo, e até as aulas de judô ficaram mais limitadas.
Depois do gatinho roxo
e rosa, veio um marrom grandão, um preto, um sem armação, um com
meia armação preta e, finalmente o meu atual, totalmente fechado e
vinho. Escolher óculos era sempre uma tortura porque eu sabia que ia
mudar completamente meu rosto. Mas me acostumei a enxergar o mundo
assim, meio quadrado. Saltei do sky coster sem ver onde estava de
verdade, e tranquilizei um menininho na montanha russa quando ele me
perguntou “você não está com medo da altura?” Eu, sem óculos,
sem enxergar um palmo na frente do meu nariz, respondi “claro que
não”. E ele se acalmou e se divertiu.
Nadar sem enxergar é
como nadar num mundo translúcido verde ou azul. Algo bem parecido
com a forma que Saramago descreve a cegueira branca. É nadar num
mundo aquático lodoso. A primeira vez que mergulhei de lentes e
óculos para mergulho, eu chorei. Jamais imaginei como o mundo
embaixo d'água pudesse ser tão lindo. Ir ver filmes de terror era
muito cômodo. Para não parecer uma medrosa completa, eu tirava os
óculos e ficava admirando uma tela gigantesca em blur. Quando estava
com raiva do mundo todo, pegava meu fone de ouvido e tirava os
óculos. Nada mais importava. Não via mais ninguém.
A única forma de me
fazer chorar imediatamente: quebrando meus óculos. Uma vez fui
atropelada (por uma bicicleta) e a primeira coisa que eu disse quando
abri os olhos foi perguntar pelos óculos. Uma pessoa embaçada me
respondeu que um carro tinha passado por cima deles. Comecei a
chorar. Treinando dança de espada, risquei uma lente; caí no
berreiro. Minhas lembranças bêbadas são todas embaçadas. Não por
causa do álcool. Mas porque alguém sempre tirava meus óculos e eu
nunca soube de verdade quem me ajudava.
Eis que amanhã irei
fazer a cirurgia de miopia. Meus atuais 5,50 (e 1,75 de astigmatismo)
poderão se dissipar para sempre. A cirurgia não me dá certeza
completa de que nunca mais terei miopia. E a grossura da minha córnea
permite que eu faça essa cirurgia apenas uma vez. Tenho uma única
chance de nunca mais usar óculos.
Sinceramente, não sei se estou feliz por essa perspectiva. Me acostumei com o mundo widescreen, com a opção de enxergar ou de ignorar o mundo à minha volta. Eu até tomo banho de óculos para poder lavá-lo durante o banho e deixá-lo sem gordura e limpinho. Costumo dizer que quando acordo, a primeira coisa que eu faço é “por os óculos”; os outros abrem os olhos. Para mim, de nada vai adiantar abrir os olhos, não vou enxergar nada mesmo.
Estou apavorada com essa cirurgia. Não sei se irei me acostumar com o mundo sem bordas, sem sujeira. Com a probabilidade de eu poder passar rímel e não bater os cílios na lente. Com a chance de ver o mundo embaixo d'água perfeitamente. E principalmente, não sei se irei me acostumar a me ver sem óculos. Sei que meu grau é alto e todos me perguntam “mas você não vai fazer a cirurgia?” mas me acostumei com esse par de vidro que me protege do mundo.
Sinceramente, não sei se estou feliz por essa perspectiva. Me acostumei com o mundo widescreen, com a opção de enxergar ou de ignorar o mundo à minha volta. Eu até tomo banho de óculos para poder lavá-lo durante o banho e deixá-lo sem gordura e limpinho. Costumo dizer que quando acordo, a primeira coisa que eu faço é “por os óculos”; os outros abrem os olhos. Para mim, de nada vai adiantar abrir os olhos, não vou enxergar nada mesmo.
Estou apavorada com essa cirurgia. Não sei se irei me acostumar com o mundo sem bordas, sem sujeira. Com a probabilidade de eu poder passar rímel e não bater os cílios na lente. Com a chance de ver o mundo embaixo d'água perfeitamente. E principalmente, não sei se irei me acostumar a me ver sem óculos. Sei que meu grau é alto e todos me perguntam “mas você não vai fazer a cirurgia?” mas me acostumei com esse par de vidro que me protege do mundo.